sábado, 24 de novembro de 2012

Passagem



Tinha chegado a um momento em que tudo o que tinha vivido e aprendido lhe indicava que era hora de uma  mudança... Mais uma vez! Quando achava que já tinha o controle de toda a situação, pronto, era uma coceira... Mas desta vez, estava diferente. Sua percepção sobre as relações estabelecidas em sociedade estavam todas, absolutamente todas, sendo questionadas. Todos os valores cristalizados estavam ruindo. Não sabia aonde aquilo iria dar. Mas era inexorável e assustador! Tudo era-lhe tão inconsistente. Tinha um desejo incontrolável pela transparência, mas ao mesmo tempo, gostaria de estar em outro lugar, em outra dimensão. Queria ser como o ar... Incorpórea. Queria visceralmente o sonho...E quanto mais claro ficava tal possibilidade, maior e profundo o desejo de mudança. Percebia a rapidez de seu raciocínio. Cada vez ficava mais claro que a vida era muito, mas muito mais desafiadora e que aqueles laços estavam se tornando nós. Propunha para si uma nova estrutura, analisava todos os lados de uma questão, não apenas separando-os em duas possibilidades, mas em múltiplas versões. E pensando assim, tudo era válido, inclusive a não existência. Decidiu que a partir dali, aprenderia a morrer. O que era isso? Se tudo se esvai, se tudo lhe escapa entre seus dedos, é porque nada é para se deter. A partir dali, somente o que lhe proporcionasse a liberdade de si mesma e das outras pessoas teria lugar... E a compaixão por todas as tentativas de se eternizar. 

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Déjà vu

Hoje amanheceu tão nublado, que parecia que o dia transcorreria entre brumas. Foi assim durante toda a manhã. - Um dia sorumbático e melancólico, pensei, enquanto levava minha filha para o trabalho. E no rádio do carro tocava uma música daquelas que nos empurram para dentro de nós... Engraçado, mas agora não me lembro mais qual... Ficou perdida na memória.O fato é que lá pras onze horas (estamos no horário de verão) fui ao quintal de casa para jogar umas cascas de fruta para as galinhas e qual não foi minha surpresa ao me deparar com um céu incrivelmente azul e um sol tão brilhante, mas de uma luz daquela descrita por Drummond no poema O Elefante - que não cega! Sentei-me a admirar aquele espetáculo de dia, sorvendo o ar fresco da manhã de primavera. Ao mirar as montanhas ainda verdes, tive a nítida impressão de que já tinha vivido aquilo... Num instante estava eu a brincar de boneca e casinha debaixo do pé de figo verdinho. Os figos estavam amadurecendo e lá vinha minha mãe com um tacho de cobre para colher alguns - os mais verdes,  para o doce de natal. O quarto de minhas bonecas ficava em cima do pé de figo. Embaixo era a sala de visitas, onde fumávamos elegantemente aqueles raminhos do pé que caiam pelo chão, e falávamos da vida, das crianças e de nossos maridos imaginários. Ao lado da sala ficava a cozinha onde preparava as comidinhas: um bolo de banana cortada em rodelas, com creme de banana amassada e bastante açúcar cristal, que triturávamos satisfeitas durante a tarde. Outra hora era um prato exótico de terra com salsinha do canteiro de mãe...Vizinho ao pé de figo, ficavam as duas goiabeiras: um de goiabas vermelhas e outro de goiabas brancas. A goiabeira branca era uma senhora muito branca e alta e elegante. Seu tronco era delgado e salpicado de manchas brancas e beges, o que proporcionava um magnífico contraste entre suas folhas verdes, vistas de baixo para cima e o céu azul mais ao fundo. Passava horas mirando aquele cenário. Parecia uma catedral em estilo rococó. Era muito difícil de subir nela, mas era um prêmio a vasta visão de lá. A goiabeira vermelha era menor e mais aconchegante e, por diversas vezes, tinha passarinhos como companheiros na disputa de seus frutas maduros. As goiabas, todas, eram docinhas por demais...No canto esquerdo do quintal, ficava a oficina de meu pai, que era eletricista  nas horas vagas. Ali era o futuro. Simplesmente era nossa Nave Espacial! Cheia de telas de TV, botões de todas as qualidades, janelas de madeira e vidro abertas estrategicamente para o planeta. As galinhas eram de Marte, Vênus, e o cachorro Duque, da Lua. E tinha o viveiro de passarinhos coloridos que enchiam a tarde com suas músicas. Eles eram seres especiais, que nos avisavam de perigos que estavam por vir... No meio do quintal e perto do tanque de lavar roupa, ficavam uns tambores enormes de óleo, vazios, que enchíamos de água e era nossa piscina. Do lado esquerdo da casa, existiam pés de rosa, cercadas com câmaras de ar de pneus cortados ao meio, cheios de água ( não existia dengue nas cidades). Ali eu buscava minha varinha de condão e, descalça, conversava horas infindáveis com minha amigas fadas. De nosso quintal avistávamos os outros quintais, onde todos brincavam e nos convidávamos para uma brincadeira qualquer... À noite, uma hora era fogueira, outra hora era pular corda, outra hora era hora de contar estórias de terror, outra hora era hora de show... 


Quantos anos se passaram? E assim, lembrei de outras histórias de infância, de meus irmãos mais velhos, de meus pais, de meus avós...De todas as pessoas do planeta... Meus olhos se encheram de lágrimas e então só agradeci a vida por ter me proporcionado tanto bem.

domingo, 28 de outubro de 2012

Mistérios...


Não acreditava que fosse voltar...Foi um custo se livrar dela! Por anos a fio acreditou que já estava livre. Acreditava piamente que nunca mais voltaria a encontrá-la. Chegou mesmo a se gabar de ter se desvencilhado daquela confusão...Que estava finalmente protegida. O que não sabia e nem podia imaginar é que ela, uma vez instalada, nunca mais se retira. Ela se cansa, como uma criança quando brinca demais, e adormece em seguida, de exaustão. Mas a qualquer momento, retoma sua sina....Indomável, arrebatadora, envolvente, tirando tudo do lugar, propondo uma nova e intrigante perspectiva... 
Bastou um toque. Um único toque e ela respirou tão fundo... Acordou retomando seu fôlego insaciável... Pronto, ela percebeu o perigo que corria, tentou negociar, perguntando para si mesma, todo o tempo, que besteira era aquela? Como permitia que ela retomasse seu curso alucinado? Olhou-se no espelho e viu, no fundo de seus próprios olhos o sorriso zombeteiro daquela que lhe que tirava o sono, mas que lhe proporcionava momentos alucinadamente deliciosos, seduzindo sua vontade com mimos, afagos óbvios, tecendo uma trama de inacessível decifrar, porque não lhe fazia parte o raciocínio. Era impossível resistir à sua gargalhada debochada, à sua incrível  capacidade de pintar tudo com cores tão vibrantes, ao seu perfume arrebatador, à sua música inebriante. Seu corpo todo vibrava, misturando alegria e dor.  Ela ouvia melhor o vento. Ela era como ele na sua mania de virar tudo de pernas para o ar e...Partir! Não havia nada a fazer agora a não ser aceitar seu convite e seguir viagem, esperando o momento em que ela,exausta, adormeceria. Poderia se transformar em amor? 

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Imprevisível...


A preparação para uma viagem é um acontecimento que deveria seguir um roteiro. Na verdade, sempre estabeleci uma série de passos a serem dados. Viajei tanto que virou rotina.
Mas dessa vez, foi diferente. 
Não consegui me decidir nem sobre o que levar. Sabia que iria. Imaginei-me no lugar...Deveria ter prestado mais atenção aos sinais me alertando que, talvez, não fosse sair do jeito planejado. Primeiro, ao observar a meteorologia, percebi variações enormes entre a alta e a baixa temperaturas. Isso importa quando quando vamos  fazer a mala de viagem...Com tamanha variação, decidi levar roupas quentes e frias...Depois, não conseguia me decidir sobre a volta...Resolvi que o melhor seria dar uma folga entre o fim do roteiro e minha partida. Contava encontrar com amigos, mesmo sabendo que os retornos foram vagos e que até mesmo não houve retorno por parte de alguns. Deveria mesmo ter retrocedido. Mas, sou um tanto curiosa e acredito que sempre vale a pena tentar algo novo. No dia da partida, amanheci com uma leve dor no pescoço. Não dei importância. Arrumei-me, levei minha filha ao trabalho, fui à academia, escrevi um texto sobre mim...E a dor só aumentando. Analgésico em cima. A mala por fazer....Faltando quarenta minutos para partir é que fui fazer a mala. Sem tempo para me decidir sobre o que levar, fiz o que toda mulher maluca faz: coloquei tudo o que coube na mala: roupas quentes e frias aos montes, sapatos e sandálias, secador de cabelo, netbook, livros, maquiagem e etc, etc... A mala ficou pesando uma tonelada, mas ficou pronta a tempo. O táxi chegou vinte minutos antes da partida do ônibus. Estava pronta para mais uma trilha num lugar totalmente desconhecido. O frio na espinha me animava a seguir em frente...Pronta??
Bem, deixei para atrás o cantil, a lanterna, o boné. Itens de primeiríssima necessidade. E o maiô! Como pude?
Pensei: compro lá. Bem...


sábado, 11 de agosto de 2012

Fulosina, meu anjo.

Pessoas...Existem algumas muito especiais. Transitam por nossas vidas de uma forma tão delicada que nos ajudam a caminhar mais crentes que realmente anjos existem. Fulosina (esse é o verdadeiro nome dela) chegou em nossa casa há quase trinta anos para lidar com os afazeres domésticos e ajudar minha mãe com os serviços da casa: arrumar, lavar, passar, cozinhar. Minha mãe sempre teve como lema que, uma vez explicado e entendido o que fazer, delega-se e cada um respeita o combinado. Jamais foi de regrar o que consumir, fosse com os produtos de limpeza, da casa ou pessoal, fosse com a alimentação. "Onde cabem dois, cabem mais, se houver necessidade". E assim se fez. Fulosina seguiu desenvolvendo com capricho as atividades, mantendo uma rotina que nos permitia nossa própria rotina de trabalho e estudo. Minha filha era recém-nascida e Fulosina tinha filhos quase que da mesma idade que ela e, às vezes, eles vinham com ela para nossa casa. As crianças brincavam juntas, e às vezes, minha filha ia dormir na casa da Fulô. Mas isso, segundo ela mesma, era muito tranquilo. Tinha passado por maus pedaços na vida antes de vir trabalhar em nossa casa. O pai não a permitiu estudar. O marido a deixou com dois filhos pequenos e foi embora para São Paulo...Então teve que se virar e criar os meninos sozinha. Disse-me que nessa época, morou em um barraco de lona, na beira de um córrego. Os adultos de sua casa tinham que sair para trabalhar. Não tendo com quem deixar as crianças, e necessitando muito trabalhar, temendo que ficassem na rua, ela os deixava em casa com uma missão: separar os grãos de feijão, milho e arroz que ela despejava numa grande peneira...Assim fazia todos os dias...Com o tempo, mudaram para uma casa melhor, em outro bairro de periferia.  Sempre a admirei por sua sabedoria: ao fazer isso com as crianças, ela os ajudou a desenvolver a coordenação motora-fina, a atenção e o senso de responsabilidade...Agora, são adultos, responsáveis. Ela se tornou avó. Esta quase aposentando aqui em casa. Nunca faltou ao trabalho, a não ser por causa de uma doença ou outra. Há dois anos, quando fiquei viúva e voltei a morar com meus pais, ficou apreensiva com o súbito aumento de serviço. Percebi logo pela sua expressão apreensiva ao me ver chegar com a pouca mudança, uma vez que me desfiz de quase tudo de minha casa. Ficou tranquila quando lhe garanti que teria uma ajudante nos serviços. Daí veio a irmã dela para ajudá-la duas vezes por semana. Dois anjos em nossas vidas. Minha mãe anda esquecida a contar as mesmas histórias de vida para elas. Elas as escutam sempre com aquele ar de surpresa, como se tudo o que ouvissem fosse a maior novidade, ao mesmo tempo em que oferecem um cafezinho novo, ou uma saladinha de frutas para ela. Elas piscam os olhos, em segredo, e sorriem. São de uma delicadeza ímpar... Nossas histórias se misturaram e realmente é uma benção conviver com as duas. Só tenho a agradecer, sempre!

terça-feira, 31 de julho de 2012

Fênix?

"Esta decidido: quero morrer. Assim, sem exclamação, interrogação, reticências ou qualquer sinal outro que levante dúvidas sobre minha imperativa decisão. Quero desfazer-me de mim. Estou cansada. Preciso parar em definitivo. Chega. Basta. É um cansaço imenso de sempre ter que explicar-me a que vim. Não vim. Abri os olhos e vislumbrei uma janela entreaberta e decidi ir ficando. Mas cheguei ao meu limite nesse mundo. O que posso fazer? E já sei como fazer para que desfazer-me. Não falo. Emudeço-me. Se no princípio era o verbo, o fim é o não verbo. Nada de palavras. Nada de gestos. Nada de olhares. Nada de toques. A partir de agora serei apenas corpo a vagar até que um dia a Terra me absolva e livre-me de mim.
Por mais que peçamos, os mortos jamais retornam. Nem cheiro, nem um sopro dos seres que circularam cá. Isso é muito bom! Dívidas, doenças, vícios, desamores...Nada mais. Amores, esperanças, dias de sol e chuva...Nunca mais. E para quê afinal? Nada de respostas...Perguntas aos milhões...E o eco de mim como resposta...
Não quero mais morrer! Serei eterna em mim mesma. Outras trilhas se avizinham....Não há o que fazer a não ser seguir." 

terça-feira, 24 de julho de 2012

Olhos infinitos

Quase sempre se enfastiava e ansiava por novidades, como se a vida fosse uma eterna sucessão de originalidades imperdíveis. Intuía que entre as pessoas isso era mesmo impossível, então sonhava em conhecer cada rua, esquina, trilha, que estivesse à disposição para serem percorridas, calmamente, como se sorve um bom café, um bom vinho...O cheiro das ruas, o odor das matas, o ar úmido das manhãs, um muro coberto de heras, uma janela entreaberta, uma criança absorta em uma brincadeira, um velho com passos vacilantes, um caminhoneiro que se ia estrada afora...Tudo isso lhe acenava com novidades interessantes. 
Uma tarde, sem muito o que fazer, deitou-se na rede, mirando o céu azul, tão profundamente azul, que lembrou dos olhos dele. Quando se olharam pela primeira vez ela viu o infinito naqueles olhos. Pensou:- Meu Deus, que trilhas são essas que se abrem tão dentro e fora e fundo? Desviou o olhar pois sabia onde aquilo iria dar... Mas agora, podia ver, mirando o céu, o quanto ele a desejou e era como se aquele infinito a acariciasse. Então não sabia distinguir se o calor que sentiu vinha de dentro ou se era o sol, que vagarosamente deslizava naquele céu que era o olhar dele... Uma brisa soprou levemente e ela lembrou de outros olhares infinitamente negros como a noite, intensamente castanhos como a terra, transparentes como a água límpida de rios e cachoeiras...Todos lhe mostrando novos caminhos a serem percorridos, tocados, sentidos. O brilho das primeiras estrelas da noite acenaram que estava na hora de ir comprar o pão. A urgência de sua fome a fez retornar à vida...

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Para ler com os ouvidos...

A frase do Nietzsche: "Sem música, a vida seria um erro", convenhamos, faz todo sentido. Uma de nossas primeiras lembranças agradáveis é a voz de alguém cantando uma cantiga de ninar....Como esse gesto acalma qualquer criança, não é verdade?
Lembro-me de um acampamento que fizemos eu, um namorado e um casal de amigos, em que acordei ao som de pássaros cantando na mata...A luz do sol da manhã filtrava-se no azul de nossa barraca e então me senti, literalmente, no paraíso: eu, meu amor, pássaros cantando num ambiente azul, azul.......Lá fora, um leve soprar de brisa suavemente tocava nas folhas das árvores...Inesquecível...Em momentos assim, acredito que harmonias existem por todos os lados, basta prestar atenção ao seus toques sutis, mas intensos.
Eu nasci em 1960. Brincávamos muito nas ruas, nos quintais: hora de casinha, hora de bolinha de gude, hora de faroeste, hora de show, quando então organizávamos campeonatos de completar uma frase com uma música da época...Uma delícia! Uma vez, tivemos a ideia de formar um conjunto. Um primo, muito habilidoso, fez uma guitarra de madeira e me emprestou (sim, porque ele não me deu não), meu irmão montou uma bateria com latas de banha e uns pratos de uma balança, e um amigo arranjou um triangulo...Imaginem só a cantoria na cabeça de meus pais, que só olhavam e riam de nossas fantasias...Éramos fãs da Jovem Guarda e cantávamos muito os sucessos de então, mas a nossa preferida era O Calhambeque, do Roberto Carlos...
Com o passar dos anos, o rádio de pilha, a vitrolinha, e a radiola na sala de visitas passaram a ser nossos objetos de desejo, disputadíssimos. Meu pai era eletricista e nossa casa vivia cheia desses ícones por todos os lados. Minha mãe e minha irmã mais velha tinham um programa preferido numa rádio e então, todos escutávamos atentos as transmissões. O rádio ficava em cima da geladeira, de tal modo que alimentar-se estava intimamente ligado a ouvir música...Até que um dia escutei, na vitrolinha vermelha de meu primo, "Revolution", dos Beatles. Tinha então nove anos. Lembro-me que em 1969 aconteceram dois fatos marcantes em minha vida: o homem pisou na Lua e escutei Revolution. Mudanças significativas ocorreram-me internamente...
De certa forma, percebi que as coisas podiam mudar, se quiséssemos. Entrei na adolescência, onde tudo é possível, e o mundo é um lugar de descobertas e limites a serem vencidos. Recordo-me  que os livros passaram a ser uma constante em minha vida. Devia ser muito tímida, pois  meu passatempo predileto era ler, e escutar música, hábitos possíveis somente se estivermos sós. Li de tudo, até mesmo a bíblia. Encantei-me pelo evangelho de São Mateus. Lia, lia, lia. E escutava música...Então, as que mais me marcaram foram essas pérolas:
Até que um dia, vendo um programa na tv, chamado Sábado Som, vi e ouvi Pink Floyd...Paixão à primeira audição, abriu-me internamente um mundo de sensações inesperadas e muitos prazerosas...A vida é harmonia, equilíbrio de luz e sombra, como já o disseram. E Música, assim, com inicial maiúscula, é vida.

domingo, 8 de julho de 2012

Então ela percebeu que nessa história não havia espaço para brincadeiras...E lhe veio a impressão de que o que não se pode tocar é de uma realidade atroz...! Não tocamos o amor, não pegamos o ódio, não cheiramos a alegria ou a tristeza...Somos feitos disso! O que nos move, o que nos paralisa depende  do que nasce no íntimo de nós e de nossa relação com o outro. E essa relação acontece a partir da capacidade de reconhecermos quais chaves  abrem  nossas  portas internas, que permitem tais relações... E aí, era  muito sério o que percebeu: ela tem  dentro de si uma trilha, que apesar de lhe proporcionar imenso prazer, rapidamente se transforma em dor. E que por várias vezes ela a percorreu. A mesma sensação de prazer, a mesma sensação de dor....Mas não lhe passava pela cabeça ser masoquista...Não. Não gostava de sentir dor. Pelo contrário!  Mas tudo o que mais queria sempre lhe escapou como água a escorrer pelos dedos...Seu desejo, ou melhor, o que a levava a continuar  existir concretamente, a conduzia a nada, a uma imensa sensação de vazio. Cada vez mais lhe fazia sentido que o nada, o não existir é que realmente era concreto...Aquele sentimento que foi identificado como amor, vital, que dá a sensação de completude, para ela era tão fugaz, que percebeu também ser  utopia. Apenas um leve roçar em sua alma tão só e apagada...No entanto, era por ele que vivia, como a raiz de uma planta a buscar água, como o pássaro a necessitar o ar...O não existir, o vazio,  lhe era  real...O amor lhe era utopia... Utopias existem lá, além, num lugar inacessível ao que era agora...Um outro sentimento assumiu-lhe a mente: era uma pessoa profundamente, estupidamente distraída...No fundo, ela realmente não queria estar onde estava...Queria o sonho!

sábado, 23 de junho de 2012

Estou lendo gota a gota...

"A origem do universo
  O que havia quando não havia coisa alguma, quando não havia nada? A essa pergunta os gregos responderam com histórias e mitos.
  No início de tudo, o que primeiro existiu foi Abismo: os gregos dizem Kháos. O que é o Caos? É um vazio, um vazio escuro onde não se distingue nada. Espaço de queda, vertigem e confusão, sem fim, sem fundo. Somos apanhados por esse Abismo como por uma boca imensa e aberta que tudo tragasse numa mesma noite indistinta. Portanto, na origem há apenas o Caos, abismo cego, noturno, ilimitado.
  Depois apareceu a Terra. Os gregos dizem Gaîa, Gaia.Foi próprio seio do Caos que surgiu a Terra. Portanto, nasceu de Caos e representa, em certos aspectos, seu contrário. A Terra não é mais esse espaço de queda escuro, ilimitado, indefinido.À confusão e à tenebrosa indistinção de Caos opõem-se a nitidez, a firmeza e a estabilidade de Gaia. Na Terra tudo é desenhado, tudo é visível e sólido. É possível definir Gaia como o lugar onde os deuses, os homens e os bichos podem andar com segurança. Ela é o chão do mundo."

               Do livro O Universo, os deuses, os homens. De Jean-Pierre Vernant


Deliciosa leitura....   

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Alma Remix

Uma de suas características era ser previsível, óbvia demais, até quando queria se mostrar anticonvencional. Não havia mesmo nenhuma originalidade: sempre tomando emprestado histórias, vivências alheias. Não fosse assim, mostraria seu imenso, profundo vazio. Se ela se pergunta - Quem sou? Um eco reverbera...Quem sou? Quem sou? Sou?......
O seu grande desafio é: se sentir bem e em paz com esse enorme vazio interno, onde apenas se ouve o pulsar de seu coração.....

domingo, 29 de abril de 2012

Soltas no ar de um caderninho..

Tenho um amigo que também gosta de escrever. Ele é muito, muito engraçado, pois suas inspirações brotam a todo instante, como se ele vivesse em diversas frequências ao mesmo tempo: mantém uma conversa agradável...e dali a um momento, solta um verso, um texto inteiro, como num transe...Seus olhos faíscam nestes momentos....Depois, segundo ele me diz, esquece, e nunca consegue recuperar tudo aquilo que lhe apareceu tão  espontaneamente...Mesmo assim, ainda consegue registrar alguma coisa. Sugeri a ele que mantivesse junto a si um caderninho onde pudesse registrar esses momentos. Ficou de providenciar mas pelo que sei, até agora...nada. Então, penso que muitos vislumbres cheios de luz ainda se perderão por ai...

Dei o conselho pois eu mesma tenho um caderninho onde anoto as coisas que me encantam, ideias que dançam em minha mente e me inquietam. Essas anotações acontecem sem anúncio prévio. São um pouco de tudo o que vivencio e penso ser importante escrevê-las. Como um diário, que mantenho desde minha adolescência e que perdura. Mas agora, sem aquela insegurança juvenil, mas com ansiedade da, vamos dizer assim, maturidade. Se bem que maturidade...penso que nunca irei conseguir...Sinto-me tão ignorante de mim mesma, às vezes ...Ao relê-lo, percebo-me nas entrelinhas dessa colcha de anotações soltas e sem muito sentido...Aparentemente. 
"Quando imagino a minha casa, recordo-me da sensação de útero, retorno a um período de tranquilidade e aconchego. Lar. Cais. Porto. Estabilidade."


" - O que alucina na grande cidade é a possibilidade do anonimato...( frase de meu irmão, que mora em São Paulo)"
"Na estrada, surgem árvores retorcidas pelas chamas, queimadas. Não entendo o prazer que algumas pessoas tem em por fogo em algo tão belo e indefeso que é o mato."

"Saindo de São Paulo, vamos em direção a nuvens cinzas, carregadas de água. O calor indica que elas vão descer com força. Levas e mais levas de carretas, de todas as formas e tamanhos, também tomam o mesmo rumo. Minas fica no alto. Nas nuvens..."

"A escola é um espelho da sociedade..."
"Bandas novas e surpreendentes: Le Corbeu/ Mystic/ Gem Club/ The Middle East/ Bandee Trio"

"Nas artes japonesas encontra-se muito o conceito de MA. Esse fonema expressa algo como o vazio, a distância ou o espaço, mas um vazio no sentido potencial de expressão. É característico nas artes visuais japonesas deixar um respiro, um espaço em branco, um algo a mais a ser preenchido pelo observador..._Revista Língua Portuguesa/set/2011"
E por aí sigo anotando tudo aquilo que me toca. É um bom exercício.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Rarefeita...

  E então quer dizer que as coisas todas se iniciam de forma incrivelmente simples...? E vão se tornando complexas à medida em que se tocam, se interagem, formando e transformando o seu próprio estar no mundo tangível e intangível, a tal ponto de mistura e fervura que deixam de existir de acordo com a forma inicial e se tornam novas realidades, novas propostas...?
Observemos as notas musicais...A partir dos sete tons/sons ( ou seja lá o nome correto...) surgem frases de Mozart, Paulinho da Viola, Pink Floyd....É de ficar embasbacada com tamanhas possibilidades...E então viro pro lado e vejo uma paisagem qualquer: uma estrada, uma flor, o céu do outono, um pássaro...Quando vejo minha filha, cega, andando por ai guiando-se pelos sons, calores e cheiros...De forma tão vacilante e segura ao mesmo tempo...Como não se impressionar? Como não se perguntar por que tudo isso? 
Mais que um caleidoscópio, mais que qualquer coisa imaginada, penso que devemos aproveitar, da melhor e mais solidária maneira possível esse nosso despertar entre o nascer e o morrer...E o que pensar dos seres humanos que passeiam por esse espaço/tempo, com seus cheiros, peles, olhares e conclusões, ou falta delas sobre o que percebem...? Às vezes, sinto vontade de penetrar em cada um e observar como eles observam o que se passa...Às vezes, penso que consigo, às vezes...
Por esses dias, tenho andado assim, como quem caminha nas nuvens, como se estivesse gestando luz, uma luz interna que me aquece a alma e me faz sentir uma imensa alegria à toa...Uma alegria em forma de agradecimento à vida, sem pieguices...Estranhamente, vejo surgir rugas em minha face, minha pele se cobrindo de vincos e algumas manchas de sol que me mostram que já estou há algum tempo nesse lugar...Tenho me sentido cada vez mais livre...O que esse despojamento de mim, de meu corpo, e esse estado íntimo de caminhar mais segura por entre nuvens, esse tesão pela vida, quer me mostrar? 
Absolutamente esse meu estado íntimo não rima com alienação...O mal existe por aí, e se manifesta a todo instante: corrupção, poluição, violência, depressão...Esse não é, definitivamente, um bom tempo pra se sentir assim...Mas, quando ouço uma música, quando percebo uma luz de entendimento no olhar de algum aluno, quando me sinto atraída/apaixonada por um homem (sim, sou hétero...) é o suficiente pra retornar àquele estado de rarefeito  êxtase... E agradeço a cada dia por me sentir assim, no aconchego de minha alma, nesse lugar em que poucos, muito poucos tem acesso...
Caminho na trilha do Laboriaux, Itabira, MG

domingo, 4 de março de 2012

R$360.000.000,00

Li, não sei em qual lugar, que esse seria o orçamento público de Itabira, MG, para o corrente ano...Um pouco pra mais ou pra menos. Dá o que pensar, não? Não consigo mensurar direito tantos zeros, e  o que se pode fazer com tudo isso. Mas é muito, mas muito capital. Sei também que para se utilizar tanto seria salutar que a sociedade, que tem o suor de seu trabalho compondo esse orçamento, fosse consultada e pudesse decidir sobre a melhor aplicação de tudo isso...Infelizmente, esse é o limite de nossa democracia. Podemos eleger as pessoas que irão gerir esses orçamentos, mas, uma vez eleitos, os ônus e os bônus por tal façanha ficarão apenas por conta e risco deles mesmos. E é aí que esta o perigo... Não quero sair por aí atirando  suspeitas, conjecturando sobre possíveis desvios, sobre como tais e tais de repente ficaram tão ricos, etc, etc. Até porque eles ocorrem mesmo e todos estamos fartos disso.
De quatro em quatro anos, podemos mudar as pessoas que gerenciam  orçamentos públicos!! Olha só que maravilha!! E esse ano bissexto é ano de eleições municipais...Quem vamos permitir que, pelos próximos quatro anos gerencie orçamento tão considerável? 360.000.000,00...360.000.000,00...360.000.000,00...

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Caminhando com o vidro azul...

Todo ano, pra mim, tem uma forma de espiral, que gira e gira, ascendendo numa região ora nebulosa, ora transparente e escura, como nos apresenta o espaço sideral. Todo ano tem uma cor clara, entre branco e azul e amarelo. Assim também são os meses, as semanas e os dias, cada um com determinada variação dessas cores... Lembro-me que em uma das aulas com meu querido professor de Filosofia da FACHI, o José Carlos, discutimos sobre isso e não me lembro mais a qual conclusão chegamos, mas tinha a ver com nossa percepção de mundo, do Tempo. Para uma amiga, o ano tem um formato de uma barra, com os anos iniciando embaixo e terminando num nada... acima, sem um se ligar ao que se foi...
Escrevo isso porque em agosto escrevi sobre as possibilidades que nos são dadas naquele mês de ventanias e sinais de mudanças...
Em 2011 tive muito trabalho nas duas escolas. Turmas tão díspares e tão cheias de identidades. Ao mesmo tempo em que existem alunos sem a menor identificação com a leitura de texto e muito menos com a escrita, outros já não conseguem ficar sem essas duas ferramentas de expressão cultural, buscando produzir algo que demonstrem a si mesmos e suas interpretações de mundo...Ainda bem que assim seja. 
Através do Facebook, reatei contato com antigas amizades, estabeleci outras, virtuais. 
Descobri que o que me resgata e desvia de uma situação paralisante é o ato mesmo de caminhar, proposta inicialmente feita pela Maria, uma vizinha, amiga de infância, que me propôs caminhar na pracinha próxima a minha casa. Gostei, principalmente do estado de profundo relaxamento e euforia que vivenciei após andar por um determinado período. Talvez também seja uma forma de viver de maneira mais intensa aquilo que foi retirado de meu finado marido, numa estranha relação aos dias que passou numa cadeira de rodas, dependendo de todos pra tudo, durante seus últimos onze anos de vida. Estranho, passa-se o tempo, porém sinto-me mais próxima dele, e no entanto, ele não mais existe, a não ser em minha mente...
Essa atividade me pôs em contato com um grupo de caminhantes, veteranos na estrada, e assim me lancei em janeiro desse 2012 numa viagem a pé num trecho da Estrada Real, caminhando 22 km. 
Também naquele mês, vi coisas que me surpreenderam muito positivamente e uma delas foi uma rádio, em forma de podcast, chamada Vidro Azul. O mentor dessa rádio é um português que mora nos EUA e posta músicas, pra mim, totalmente inéditas e belíssimas, e como ele, Ricardo Mariano, às vezes diz, viciantes...A marca dessa rádio singular é uma foto em preto e branco de uma janela, com um vasinho com margaridas. Às vezes, as transmissões me conduzem a um estado de profunda tranquilidade, outras vezes, a uma imensa tristeza...Fico pensando no porque desse nome: Vidro Azul. Lembro de que quando era criança brincava com um vidro de leite de magnésia azul. Era uma espécie de amigo imaginário com o qual conversava muito, e isso me ajudava a entender aquele mundo ao meu redor. Infâncias...Depois me lembrei que uma amiga morava numa casa antiga, do século XIX, cujas janelas são adornadas por um vidro azul, raríssimo e muito bonito. Evitar que quebrem é uma constante para aqueles que lá residem. Então o nome da rádio tem a ver com infâncias e raridades...Pra mim é o bastante pra explicar minha identificação com tais transmissões.
De todas essas trilhas que se mostram, a mais intrigante e difícil é a que se abre dentro de mim. Percebo-me propícia a alargar ao máximo minhas fronteiras, a estabelecer novas abordagens de temas antigos e a não temer o que vem pela frente. E, principalmente, a não perder a minha criança interna, aquele lado encantado pelo o quê a vida permite viver...Tudo passa, inclusive eu.