terça-feira, 31 de julho de 2012

Fênix?

"Esta decidido: quero morrer. Assim, sem exclamação, interrogação, reticências ou qualquer sinal outro que levante dúvidas sobre minha imperativa decisão. Quero desfazer-me de mim. Estou cansada. Preciso parar em definitivo. Chega. Basta. É um cansaço imenso de sempre ter que explicar-me a que vim. Não vim. Abri os olhos e vislumbrei uma janela entreaberta e decidi ir ficando. Mas cheguei ao meu limite nesse mundo. O que posso fazer? E já sei como fazer para que desfazer-me. Não falo. Emudeço-me. Se no princípio era o verbo, o fim é o não verbo. Nada de palavras. Nada de gestos. Nada de olhares. Nada de toques. A partir de agora serei apenas corpo a vagar até que um dia a Terra me absolva e livre-me de mim.
Por mais que peçamos, os mortos jamais retornam. Nem cheiro, nem um sopro dos seres que circularam cá. Isso é muito bom! Dívidas, doenças, vícios, desamores...Nada mais. Amores, esperanças, dias de sol e chuva...Nunca mais. E para quê afinal? Nada de respostas...Perguntas aos milhões...E o eco de mim como resposta...
Não quero mais morrer! Serei eterna em mim mesma. Outras trilhas se avizinham....Não há o que fazer a não ser seguir." 

terça-feira, 24 de julho de 2012

Olhos infinitos

Quase sempre se enfastiava e ansiava por novidades, como se a vida fosse uma eterna sucessão de originalidades imperdíveis. Intuía que entre as pessoas isso era mesmo impossível, então sonhava em conhecer cada rua, esquina, trilha, que estivesse à disposição para serem percorridas, calmamente, como se sorve um bom café, um bom vinho...O cheiro das ruas, o odor das matas, o ar úmido das manhãs, um muro coberto de heras, uma janela entreaberta, uma criança absorta em uma brincadeira, um velho com passos vacilantes, um caminhoneiro que se ia estrada afora...Tudo isso lhe acenava com novidades interessantes. 
Uma tarde, sem muito o que fazer, deitou-se na rede, mirando o céu azul, tão profundamente azul, que lembrou dos olhos dele. Quando se olharam pela primeira vez ela viu o infinito naqueles olhos. Pensou:- Meu Deus, que trilhas são essas que se abrem tão dentro e fora e fundo? Desviou o olhar pois sabia onde aquilo iria dar... Mas agora, podia ver, mirando o céu, o quanto ele a desejou e era como se aquele infinito a acariciasse. Então não sabia distinguir se o calor que sentiu vinha de dentro ou se era o sol, que vagarosamente deslizava naquele céu que era o olhar dele... Uma brisa soprou levemente e ela lembrou de outros olhares infinitamente negros como a noite, intensamente castanhos como a terra, transparentes como a água límpida de rios e cachoeiras...Todos lhe mostrando novos caminhos a serem percorridos, tocados, sentidos. O brilho das primeiras estrelas da noite acenaram que estava na hora de ir comprar o pão. A urgência de sua fome a fez retornar à vida...

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Para ler com os ouvidos...

A frase do Nietzsche: "Sem música, a vida seria um erro", convenhamos, faz todo sentido. Uma de nossas primeiras lembranças agradáveis é a voz de alguém cantando uma cantiga de ninar....Como esse gesto acalma qualquer criança, não é verdade?
Lembro-me de um acampamento que fizemos eu, um namorado e um casal de amigos, em que acordei ao som de pássaros cantando na mata...A luz do sol da manhã filtrava-se no azul de nossa barraca e então me senti, literalmente, no paraíso: eu, meu amor, pássaros cantando num ambiente azul, azul.......Lá fora, um leve soprar de brisa suavemente tocava nas folhas das árvores...Inesquecível...Em momentos assim, acredito que harmonias existem por todos os lados, basta prestar atenção ao seus toques sutis, mas intensos.
Eu nasci em 1960. Brincávamos muito nas ruas, nos quintais: hora de casinha, hora de bolinha de gude, hora de faroeste, hora de show, quando então organizávamos campeonatos de completar uma frase com uma música da época...Uma delícia! Uma vez, tivemos a ideia de formar um conjunto. Um primo, muito habilidoso, fez uma guitarra de madeira e me emprestou (sim, porque ele não me deu não), meu irmão montou uma bateria com latas de banha e uns pratos de uma balança, e um amigo arranjou um triangulo...Imaginem só a cantoria na cabeça de meus pais, que só olhavam e riam de nossas fantasias...Éramos fãs da Jovem Guarda e cantávamos muito os sucessos de então, mas a nossa preferida era O Calhambeque, do Roberto Carlos...
Com o passar dos anos, o rádio de pilha, a vitrolinha, e a radiola na sala de visitas passaram a ser nossos objetos de desejo, disputadíssimos. Meu pai era eletricista e nossa casa vivia cheia desses ícones por todos os lados. Minha mãe e minha irmã mais velha tinham um programa preferido numa rádio e então, todos escutávamos atentos as transmissões. O rádio ficava em cima da geladeira, de tal modo que alimentar-se estava intimamente ligado a ouvir música...Até que um dia escutei, na vitrolinha vermelha de meu primo, "Revolution", dos Beatles. Tinha então nove anos. Lembro-me que em 1969 aconteceram dois fatos marcantes em minha vida: o homem pisou na Lua e escutei Revolution. Mudanças significativas ocorreram-me internamente...
De certa forma, percebi que as coisas podiam mudar, se quiséssemos. Entrei na adolescência, onde tudo é possível, e o mundo é um lugar de descobertas e limites a serem vencidos. Recordo-me  que os livros passaram a ser uma constante em minha vida. Devia ser muito tímida, pois  meu passatempo predileto era ler, e escutar música, hábitos possíveis somente se estivermos sós. Li de tudo, até mesmo a bíblia. Encantei-me pelo evangelho de São Mateus. Lia, lia, lia. E escutava música...Então, as que mais me marcaram foram essas pérolas:
Até que um dia, vendo um programa na tv, chamado Sábado Som, vi e ouvi Pink Floyd...Paixão à primeira audição, abriu-me internamente um mundo de sensações inesperadas e muitos prazerosas...A vida é harmonia, equilíbrio de luz e sombra, como já o disseram. E Música, assim, com inicial maiúscula, é vida.

domingo, 8 de julho de 2012

Então ela percebeu que nessa história não havia espaço para brincadeiras...E lhe veio a impressão de que o que não se pode tocar é de uma realidade atroz...! Não tocamos o amor, não pegamos o ódio, não cheiramos a alegria ou a tristeza...Somos feitos disso! O que nos move, o que nos paralisa depende  do que nasce no íntimo de nós e de nossa relação com o outro. E essa relação acontece a partir da capacidade de reconhecermos quais chaves  abrem  nossas  portas internas, que permitem tais relações... E aí, era  muito sério o que percebeu: ela tem  dentro de si uma trilha, que apesar de lhe proporcionar imenso prazer, rapidamente se transforma em dor. E que por várias vezes ela a percorreu. A mesma sensação de prazer, a mesma sensação de dor....Mas não lhe passava pela cabeça ser masoquista...Não. Não gostava de sentir dor. Pelo contrário!  Mas tudo o que mais queria sempre lhe escapou como água a escorrer pelos dedos...Seu desejo, ou melhor, o que a levava a continuar  existir concretamente, a conduzia a nada, a uma imensa sensação de vazio. Cada vez mais lhe fazia sentido que o nada, o não existir é que realmente era concreto...Aquele sentimento que foi identificado como amor, vital, que dá a sensação de completude, para ela era tão fugaz, que percebeu também ser  utopia. Apenas um leve roçar em sua alma tão só e apagada...No entanto, era por ele que vivia, como a raiz de uma planta a buscar água, como o pássaro a necessitar o ar...O não existir, o vazio,  lhe era  real...O amor lhe era utopia... Utopias existem lá, além, num lugar inacessível ao que era agora...Um outro sentimento assumiu-lhe a mente: era uma pessoa profundamente, estupidamente distraída...No fundo, ela realmente não queria estar onde estava...Queria o sonho!