quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Déjà vu

Hoje amanheceu tão nublado, que parecia que o dia transcorreria entre brumas. Foi assim durante toda a manhã. - Um dia sorumbático e melancólico, pensei, enquanto levava minha filha para o trabalho. E no rádio do carro tocava uma música daquelas que nos empurram para dentro de nós... Engraçado, mas agora não me lembro mais qual... Ficou perdida na memória.O fato é que lá pras onze horas (estamos no horário de verão) fui ao quintal de casa para jogar umas cascas de fruta para as galinhas e qual não foi minha surpresa ao me deparar com um céu incrivelmente azul e um sol tão brilhante, mas de uma luz daquela descrita por Drummond no poema O Elefante - que não cega! Sentei-me a admirar aquele espetáculo de dia, sorvendo o ar fresco da manhã de primavera. Ao mirar as montanhas ainda verdes, tive a nítida impressão de que já tinha vivido aquilo... Num instante estava eu a brincar de boneca e casinha debaixo do pé de figo verdinho. Os figos estavam amadurecendo e lá vinha minha mãe com um tacho de cobre para colher alguns - os mais verdes,  para o doce de natal. O quarto de minhas bonecas ficava em cima do pé de figo. Embaixo era a sala de visitas, onde fumávamos elegantemente aqueles raminhos do pé que caiam pelo chão, e falávamos da vida, das crianças e de nossos maridos imaginários. Ao lado da sala ficava a cozinha onde preparava as comidinhas: um bolo de banana cortada em rodelas, com creme de banana amassada e bastante açúcar cristal, que triturávamos satisfeitas durante a tarde. Outra hora era um prato exótico de terra com salsinha do canteiro de mãe...Vizinho ao pé de figo, ficavam as duas goiabeiras: um de goiabas vermelhas e outro de goiabas brancas. A goiabeira branca era uma senhora muito branca e alta e elegante. Seu tronco era delgado e salpicado de manchas brancas e beges, o que proporcionava um magnífico contraste entre suas folhas verdes, vistas de baixo para cima e o céu azul mais ao fundo. Passava horas mirando aquele cenário. Parecia uma catedral em estilo rococó. Era muito difícil de subir nela, mas era um prêmio a vasta visão de lá. A goiabeira vermelha era menor e mais aconchegante e, por diversas vezes, tinha passarinhos como companheiros na disputa de seus frutas maduros. As goiabas, todas, eram docinhas por demais...No canto esquerdo do quintal, ficava a oficina de meu pai, que era eletricista  nas horas vagas. Ali era o futuro. Simplesmente era nossa Nave Espacial! Cheia de telas de TV, botões de todas as qualidades, janelas de madeira e vidro abertas estrategicamente para o planeta. As galinhas eram de Marte, Vênus, e o cachorro Duque, da Lua. E tinha o viveiro de passarinhos coloridos que enchiam a tarde com suas músicas. Eles eram seres especiais, que nos avisavam de perigos que estavam por vir... No meio do quintal e perto do tanque de lavar roupa, ficavam uns tambores enormes de óleo, vazios, que enchíamos de água e era nossa piscina. Do lado esquerdo da casa, existiam pés de rosa, cercadas com câmaras de ar de pneus cortados ao meio, cheios de água ( não existia dengue nas cidades). Ali eu buscava minha varinha de condão e, descalça, conversava horas infindáveis com minha amigas fadas. De nosso quintal avistávamos os outros quintais, onde todos brincavam e nos convidávamos para uma brincadeira qualquer... À noite, uma hora era fogueira, outra hora era pular corda, outra hora era hora de contar estórias de terror, outra hora era hora de show... 


Quantos anos se passaram? E assim, lembrei de outras histórias de infância, de meus irmãos mais velhos, de meus pais, de meus avós...De todas as pessoas do planeta... Meus olhos se encheram de lágrimas e então só agradeci a vida por ter me proporcionado tanto bem.

3 comentários:

Helena Frenzel disse...

Li sentindo a poesia por trás de tão belas lembranças e fiquei curiosa para saber o teria visto naquele dia a menina, num dia tão azul, e o que verá a idosa, no futuro, quando este mesmo dia azul 'se remostrar'. Lindo!

Anônimo disse...

Ô amiga e eu que estava nesse grupo há tanto tempo e não tinha vindo aqui ainda? Ah, mas agora... já sei. (Na verdade eu, que escrevo tão pouco, ficava meio constrangida de comentar textos de pessoas que escrevem tão bem).Rsrsrs
Mas quer saber? Vou falar: Adorei o texto. Doces lembranças de infância, momentos tão importantes que ajudaram a construir os adultos que somos. Muito bacana, voltei no tempo com você. Bjs

Aline Guida disse...

Lembrei da minha infância. Gostei muito do seu texto, ele revela sua alma e principalmente, de onde surgiram os assuntos que nos aproximaram tanto. Parabéns!!!