sexta-feira, 31 de maio de 2013

Excertos...

" O Pensar e o Sentimento

Grande parte de nossas vidas é isenta de reflexão e sentimentos transformados em ato, e a capacidade de pensar fica submetida às contingências naturais da vida... 
Como filosofar, questionar se a imposição da rotina do dia-a-dia nega a privacidade? Como valorizar o questionar, se a clareza do questionamento exige ética e a ética é uma tragédia para o ego?
O pensar é uma atividade involuntária, impulsivo, não temos controle sobre os estímulos externos e internos, que desencadeiam o pensamento. Contudo, o pensamento organizado, dirigido, suas dimensões dialéticas e analíticas, junto ao desdobramento do sentimento transformado em ato, ( realização) é arte. É o esforço humano, pela razão, para dar conta dos afetos mobilizados pelo real.
..a vida sem "reflexão ativa" (filosofia) e sem busca da autonomia, do "se saber" (psicologia), é ainda uma vida sem existir.
Muito poderiam fazer os pais, se compreendessem que a educação necessita de....orientações culturais, objetos culturais que possam educar veiculando a interioridade, a extração sublimar dos símbolos e valores.
...a repetitividade auto-justificável do dia-a-dia mascara a falta, o vazio, justificando qualquer mediocrização...
A falta de crítica e de auto-crítica engessa o homem, em determinadas formas de poder, de vontades de poder em que, nada agrega à sua própria construção, enquanto humano.
A falta de consciência e reflexão de si, leva o homem a buscar poder e controle, justamente pela falta de controle de si próprio, pois não tendo controle sobre os conteúdos da identidade (já degradados), começa a controlar o semelhante (o outro) na ânsia de manter a arcaica fantasia de perfeição, bem como manter uma falsa imagem de plenitude.
O pensamento cartesiano nos diz: "penso, logo existo". Mas antes de pensar, sentimos, somos afetados. Os pensamentos são, assim como os sentimentos, uma forma de organização dos afetos.
Não são os pensamentos que levam e levaram os homens aos atos de coragem, de ética e que mobilizaram as mudanças culturais e morais. O intelectualismo radical e o sentimentalismo sem comoção, torna-se mais uma fuga que uma construção, acarretando insensibilidade, ou ainda, "o especialista sem espírito" e o "sensualista sem coração".
A base de toda mobilização do homem, no mundo, sempre foi emotiva, o pensamento somente se constrói diante das manifestações emocionais. Claro que, em uma época em que o termo compaixão cai no ridículo, nos é mais difícil ainda dizer algo sobre "o pensar o sentimento", até que uma farpa atinja nossas almas.
Depois de mais de 2000 anos a.C. "conheça a ti mesmo" não foi entendido. 
O pensamento constrói estrada onde o afeto abre caminho."

                                                        in: OLIVEIRA, Alexssandro. Quando o passado acabar: ensaio contemporâneo sobre estados arcaicos. Ed. Publique Composição e Arte Final Ltda. Belo Horizonte. p 51 /54.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Sutilmente...

A Campanha de Prevenção do Câncer de Mama me fez recordar algo que aconteceu comigo.. E como a memória sempre faz com a gente, fui lembrar de outro fato ocorrido  há muito tempo...

Éramos três amigos de juventude e muito aventureiros... Haveria uma festa popular na vizinha cidade de Ferros... Muito curtida por todos, acredito que até hoje. Festa religiosa e cheia de músicos e grupos folclóricos. Todo mundo iria, mas eu e minha amiga e meu amigo, não tínhamos dinheiro para ir e vir de ônibus, e muito menos para hospedagem. Ficamos ali, matutando o que fazer, até que meu amigo falou: -Vamos de ônibus e lá arranjamos carona para voltar. Vamos encontrar com todo mundo lá, sempre tem lugar. - E para dormir? perguntamos. - Ora, dormimos na prainha! Nos entreolhamos e não deu outra:  cada um pegou o que julgava necessário para um dia literalmente fora de casa, e fomos. Quando chegamos em Ferros, era de tardezinha. A cidade, pequena, em 78, estava lotada, alegre, festiva..Caminhamos até tarde da noite, bebericamos em um bar e rumamos para a tal prainha.. A noite estava linda, estrelada, quente. E o barulho do rio era hipnótico. Acendemos uma boa fogueira e ficamos ali, deitados os três numa esteira e enrolados cada um num cobertor e mirando o céu estreladíssimo.. Acampamos perto da ponte que liga os dois lados da cidade e onde passaria a procissão.. Ficamos assistindo aquilo tudo acontecer e conversando sobre os significados da vida e outras conversas de malucos. Noite mágica. O dia amanheceu muito lindo, como sempre. E tocamos a caminhar pelo bosque no entorno do rio, enquanto a festa rolava na cidade próxima. Passou-se a manhã e resolvemos ir embora, eu e minha amiga, pois o nosso amigo quis ficar mais. Fomos mais cedo para a estrada pegar carona, pois vimos que o tempo estava virando para chuva. Em pouco tempo, conseguimos uma carona num fusca branco com dois rapazes, muito louquinhos. A estrada ainda era de terra e eles corriam muito. Começou a chover e, não sei explicar, mas o espelho retrovisor do fusca caiu. Como eles corriam muito, rapidamente o espelho ficou longe. Daí o motorista cismou de voltar para pegar o tal espelho. Ele nos olhou e falou: - Se vocês quiserem descer e pegar outra carona, tudo bem. E se não conseguirem, eu pego vocês na volta, ok? - Ok! respondemos e descemos do carro. Chovia e minha amiga tirou uma sombrinha de dentro da mochila. Rimos muito da situação e fomos caminhando estrada a fora. Para nossa surpresa, os caras voltaram  e não pararam. Passaram por nós numa velocidade absurda. Ficamos desoladas, mas seguimos em frente, até que uma outra carona apareceu. Quando chegamos a Santa Maria, vimos o fusca enfiado no meio de um poste, todo arrebentado e ficamos sabendo que o motorista havia morrido e o seu amigo estava mal.. Eu e minha amiga nos olhamos e agradecemos a algo que não sabíamos o quê, por ter nos livrado daquilo.
Em 2008, eu estava casada, e numa tarde alguma coisa me disse: marca uma consulta com sua médica. Meu marido era tetraplégico e eu sempre o levava ao médico, mas nunca eu ia consultar, pois não sentia nada. Sem pestanejar, liguei para minha médica e como um milagre, consegui uma consulta rapidamente, alguém havia desistido. Saí de lá com um encaminhamento de mamografia, pois havia quatro anos que não consultava. Fiz o exame, e tive que repetir. Fiquei injuriada de ter que refazer o tal exame, dolorido, mas me informaram que não tinha ficado bem. Assim que levei para minha médica, ela me informou que eu deveria ir a um mastologista em Belo Horizonte. Pensei: mas que preguiça!  Estranhamente as consultas foram uma seguida da outra. O mastologista marcou uma biópsia e eu entrei numa espécia de piloto automático.. Era como se nada daquilo estivesse acontecendo comigo. A biópsia é uma pequena cirurgia, mas com anestesia geral. O resultado deu positivo: era um câncer de 0,3 milímetros... Ele saiu todo no material colhido para o exame. Meu mastologista, que é da minha idade, me disse: - Lilian, agradece a sua médica, a Deus e vá tomar uma cerveja!!! Esse ano é o último ano de controle, e até agora ele não voltou. Mas algo me diz que passou. Obrigada, obrigada, obrigada!


sábado, 2 de março de 2013

Fé.

Segundo o dicionário Aurélio, Fé pode ser crença religiosa ou valores espirituais; conjuntos de dogmas e doutrinas que constituem um culto; adesão ou anuência pessoal a Deus e seus desígnios... Reconheço e compreendo que diante do mistério da vida, faço parte desse mistério e ao mesmo tempo o mistério existe, ad eternum, independente de minha fugaz existência. Deus como o Princípio Criador, ao mesmo tempo masculino e feminino, algo que nos ampara nas travessias sombrias, sim, eu creio que exista. Não sei se ocorre com todos, mas existe uma voz, muito sutil, que  me diz: - Vá! E quando isso me acontece, simplesmente não tenho como fugir. E são caminhos nos quais eu não gostaria mesmo de passar. Essa voz fala pouco, muito pouco comigo. Mas quando fala, é imperativo que eu a siga...São trilhas que me trazem sofrimentos, mas que ao mesmo tempo, geram um aprendizado importante sobre eu mesma e sobre as pessoas que participam, de algum modo, dessas travessias. E enquanto a sigo, sinto-me tão pequena diante dos cenários tristes, sombrios e pesados, tão incrivelmente só, que se não acreditasse  que um resgate, ao mesmo interno e externo, existisse, não teria sobrevivido... Esse "resgate" é Deus, para mim.
Sinceramente porém, não creio em dogmas religiosos, porque entendo que fazem parte de um plano muito humano, sem nos ligar ao que é sagrado, sem nos indicar que somos todos iguais em nossa finitude. Afora todo o arranjo institucional, permeado de vaidades e interesses estranhos ao divino...
Minha fé nesse princípio é maior que minhas dúvidas existenciais, e elas são tantas...

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Quando menos se espera...O inusitado.

Seu coração parecia que explodiria a cada vez vez que se encontravam...Há quanto tempo não se sentia assim?  Era como se ela tivesse 17 anos, de novo... O que era tudo aquilo? Não fazia a menor ideia, e na verdade era impossível raciocinar quando ela o via..Percebia que o mesmo acontecia com ele, por Deus! - Como "por Deus"? -  Ela acreditava que não acreditava em nada. Era muito mais fácil não seguir nenhuma religião, nenhum dogma. Se considerava uma pagã, mas mesmo como pagã tinha enormes dúvidas sobre essa entidade, ser, arquétipo ou o que quer que se denominasse Deus...Apenas pressentia que não tinha nenhum controle sobre sua vida..Por mais que planejasse, as coisas nunca saiam do jeito que queria...A teia da vida lhe escapara sempre, e não se lembra quando começou a perceber que adorava aquilo, aquele eterno imprevisível. Então viver era sempre uma enorme aventura. Dizia para si mesma, quando as coisas mudavam totalmente de rumo: "- O que não tem remédio, remediado esta", e seguia os dias até que tudo se ajeitava, numa nova conformação...
O que ele lhe provocava era a descoberta que dentro de si existia um infinito que só ele conhecia. Só ele tinha a chave e quando essa porta se abria, sensações agradáveis percorriam-lhe todas as células de seu corpo, numa explosão de luz e calor. Havia reciprocidade! Desde o início, quando ele lhe propôs uma brincadeira..simplesmente ela aceitou, pois foi como se ele a conhecesse de há muito tempo, como se ele surgisse de dentro dela mesma. Os limites de seu corpo se estendiam só de pensar nele... E no entanto, nunca tinham estado juntos realmente. Mas agora ele lhe enviara um anel. E o inusitado é que o anel lhe serviu, como uma luva. Aaaah, o anel era real...