quarta-feira, 20 de julho de 2011

Diante das denúncias, cada vez mais comuns, de corrupção nas obras do PAC, reli o texto abaixo no Blog da Marly e, pedindo licença a ela, divulgo o mesmo nesta página. Mesmo tendo sido escrito há algum tempo, num contexto diferente, permanece atual. É um verdadeiro manifesto de indignação profunda contra esse mal que insiste em permanecer nas ações políticas de nosso mundo. Evoé, Hilda Hilst!

"E.G.E.
(Esquadrão Geriátrico de Extermínio)
Crônica de Hilda Hilst para o "Correio Popular" de Campinas-SP
      O poeta pode ser violento. A maior parte das vezes contra si mesmo. Um tiro no peito, gás, veneno, um tiro na boca, como fez Hemingway, que também foi poeta em O Velho e o Mar; Maiakóvski, um tiro no peito; Sylvia Plath, gás de cozinha; Ana Cristina César, um salto pelos ares; etc etc etc. "Os delicados preferem morrer", dizia Drummond. Mas esta modesta articulista, sobretudo poeta, diante das denúncias feitas pela revista Veja, todos aqueles poços perfurados em prol de uma única pessoa ou em prol de amiguelhos de sua excelência, presidente da Câmara, senhor Inocêncio (a indústria da seca), e o outro com seu lindo carro às custas de gaze e esparadrapo... Credo, gente, quando você vê televisão ou in loco o povão famélico, desdentado, mirrado... Um amigo meu foi para o Ceará e passou os dias chorando! As crianças todas tortas, todos pedindo comida sem parar... e 500 toneladas de farinha apodrecendo... e montes de feijão desviados para uma só pessoa... (um parênteses, porque meu coração de poeta pede a forca, o fuzilamento, cadeia, cadeia para aqueles que se locupletam à custa da miséria absoluta, da dor, da doença). Gente, eu já estou uma fúria e para ficar mais calma proponho algumas coisas mais sutis, por exemplo: o Esquadrão Geriátrico de Extermínio, a sigla óbvia seria EGE. Arregimentaríamos várias senhoras da terceira idade, eu inclusive, lógico, e com nossas bengalinhas em ponta, uma ponta-estilete besuntada de curare (alguns jovens recrutas amigos viajariam até os Txucarramãe ou os Kranhacarore para consegui-lo) nos comícios, nos palanques, nas Câmaras, no Senado, espetaríamos as perniciosas nádegas ou o distinto buraco malcheiroso desses vilões, nós, velhinhas misturadas às massas, e assim ninguém nos notaria, como ninguém nunca nota a velhice. Nossas vidas ficariam dilatadas de significado, ó que beleza espetar bundões assassinos, nós faceiras matadoras de monstros!
      O curare é altamente eficiente, provoca rapidinho a paralisia completa de todos os músculos transversais (bunda é transversal?) e em seguidinha sobrevém a morte por parada respiratória. Ficaríamos todas ao redor do coitadinho, abanando: óóóó, morreu é? Um pedido ao presidente Itamar: severidade, excelência, é ignominioso, indigno, insultante para todos nós, deste pobre Brasil tão saqueado, que essas terríveis denúncias terminem no vazio, no nada, na impunidade. É sobretudo perigoso porque:
      de cima do palanque
      de cima da alta poltrona estofada
      de cima da rampa
      olhar de cima
      LÍDERES, o povo
      Não é paisagem
      Nem mansa geografia
      Para a voragem
      Do vosso olho.
      POVO, POLVO
      UM DIA.
      O povo não é o rio
      De mínimas águas
      Sempre iguais.
      Mais fundo, mais além
      E por onde navegais
      Uma nova canção
      De um novo mundo.
      E sem sorrir
      Vos digo:
      O povo não é
      Esse pretenso ovo
      Que fingis alisar,
      Essa superfície
      Que jamais castiga
      Vossos dedos furtivos.
      POVO. POLVO.
      LÚCIDA VIGÍLIA.
      UM DIA."
(Segunda-feira, 3 de maio de 1993)

Um comentário:

Caca disse...

Oi, Lilian, que bom este texto da Marly! Eu o havia lido, mas é sempre importante para não perdermos de vista essas inquietações que tanto tem feito falta ao coletivo. Abraço imenso. paz e bem