terça-feira, 23 de agosto de 2011

Nosso precioso tempo.

Ando a cismar sobre nosso breve tempo nesta vida. Penso que fomos todos feitos para morrer de velhice. Quando acontece antes, não é natural. A não ser quando nosso próprio corpo assim reage. Passei a lembrar de todos os velhinhos com os quais andei convivendo durante esses anos. Há um momento em que deixam simplesmente de lembrar onde estão, o que estão fazendo. Dona Divina, uma vizinha muito amiga da família, morreu com mais ou menos noventa anos, pensando que seu namorado de infância estava vindo visitá-la. Suas filhas, pacientemente concordavam com tudo o que dizia. Ela sorria feliz da vida... Meu pai passou por isso antes de morrer. Perguntei pra ele, num momento de calma e lucidez, como se sentia em relação a esses lapsos de memória, e ele me olhou no fundo de meus olhos e respondeu, calmamente, que simplesmente não sabia como ele foi se sentar na cadeira do alpendre. "-Não me lembro de como vim parar aqui. Se me dizem que é hora de comer, como, se me dizem que é hora de dormir, vou pra cama. Estou assimSim filha, é a ação deletéria do tempo. Não há o que fazer." Até agora fico impressionada com a coragem,serenidade e dignidade de meu pai diante do que lhe ocorria...Estava velho e percebia que o fim lhe era próximo. Ficava horas sentado na varanda a olhar o que se passava na rua, nas árvores diante da varanda, os animais trançando de um lado pra outro. Inventava lembranças, quando os fatos que realmente ocorreram turvavam-lhe na memória...E sempre agradecia nossos gestos de carinho. 
Agora, minha mãe chegou nessa fase de esquecimentos. Um sábado desses, quando íamos numa festa de aniversário, levei-a ao salão para cortar e pintar seus cabelos. Andamos de braços dados, como ela fazia comigo quando criança - agora sou eu quem a amparo e cuido pra que fique no canto do passeio. Pouco antes da hora de irmos pra tal festa, minha mãe foi se aprontar. Tomou outro banho e lavou a cabeça novamente. Falei pra ela: -Putz mãe, desmanchou a escova que a Helena fez... Ela me olhou e disse: Oh! Esqueci... Caímos na gargalhada....Essa é uma característica  da família dela, que herdamos com o maior prazer: rir de nossas fraquezas. Somos meio que palhaças de nós mesmas. Percebi então que estas coisas fazem parte de nossa programação para partirmos...E quem sabe recomeçarmos em outra dimensão. Não sei nada, não tenho ideia do que pode ocorrer. Tudo é especulação. Mas uma coisa é certa: temos um determinado número de anos para vivermos ESSA vida. Nada mais. E quanto de nosso precioso tempo celebramos e agradecemos por estarmos  aqui? Assim, respirando e observando maravilhados a vida?...  

3 comentários:

Caca disse...

Eu acho isso bacana, Lilian. A morte cumprindo seu ciclo tal como a natureza é: nascermos, vivermos até onde aguentarmos e depois morrer. Quando ela vem tão antes do seu tempo eu acho uma verdadeira intromissão. Um descumprimento do decurso de prazo (Veja o caso do Paulo, meu irmão). Achei uma intromissão, um despropósito apenas para aumentar ainda mais o nosso sofrimento. Se fosse lá pelos quase cem anos, a gente já estaria mais preparado, sei lá, mais saciado de vida.

Gostei demais desta sua reflexão. meu abraço e até quarta.rsrs.

Caca disse...

Lilian, bom dia!

Consegui driblar minha ignorância cibernética e postei novamente as fotos. rsrs.
Obrigado e um grande abraço.

Adinalzir disse...

Gostei demais do seu texto! Aproveito para agradecer também a sua visita ao Saiba História.
Um ótimo feriado!